a última perda. eu prometo.
por fim, isso é sobre a perda de um amor. um amor que não é alguém, nem um anjo italiano ou cortinas amarelo queimado ou um dia de verão. isso é sobre a perda da escrita.
Fiquei tanto tempo longe da escrita que me envergonho.
Percebi, em um momento, que a minha “eu” de 13, 14 (principalmente 14) e 15 anos era cheia de vida, com uma imaginação a todo vapor. Me peguei relendo uma história jamais finalizada em um site antigo e prendendo o fôlego. Pensei: “Eu era muito boa!” — e, ao mesmo tempo, “Eu queria ser boa assim! Como não sou mais assim? Por que eu regredi?” Foi desesperador. Angustiante, até. Me fez lembrar, agora, do meu post sobre perdas. Vocês falam “post” aqui, certo? Ainda sou nova. Não me julguem.
De todo modo, me lembrei dele. Soltei um riso, mas não tinha graça alguma. Me pergunto: o que mudou? Por que, de repente, meu cérebro encolheu?
Mas olhar no espelho é uma coisa grande. E ele me mostrou o óbvio.
Quando somos crianças, temos nosso próprio mundo. Muitas vezes, criamos do zero e vamos além. Eu? Eu tinha fadas e bruxas, caçadores de bruxas, gnomos e elfos. Sob os nossos pés, tinha um mundo secreto. Tinha romance e (eca) triângulos amorosos! Crianças são criaturas mágicas também, à sua maneira. São criativas e genuínas, sonhadoras e cheias de vida. Eu era assim. Tinha também, um baú no cérebro com uma chave que podia ser encontrada facilmente, se soubesse pedir. Dentro dele, havia histórias e palavras bonitas — e eu sabia conduzi-las muito bem, por sinal. Eu poderia contá-las, se me pedissem. Compartilhá-las com o mundo, sem medo algum.
O espelho me disse que eu cresci. E eu acredito nele.
Crescer — e ser socada pela realidade — para alguns pode ser um golpe mais forte do que para outros. Para mim, foi. Um pouco mais, talvez, porque eu amava ser criança. Amei ter quinze, por exemplo. Fiquei apavorada no dia do meu aniversário. Lembro de pedir ao universo para que não me deixasse crescer mais, como se fosse a maldita irmã perdida do Peter Pan. Achei que funcionaria. Não funcionou.
À medida que fui crescendo, o que eu mais amava também foi se desprendendo de mim. Não compartilhei mais o que escrevia de verdade. Não criei mais mundos mágicos. Eles se foram — assim como todas as histórias que, um dia, também criei. A vida adulta me deixou cinza. Podre de espírito. E talvez um pouco azeda, em alguns momentos.
É estranho fechar os olhos e não imaginar mais fadas que lutavam, protegiam mundos, tinham poderes e amores — e, de repente, ter só… rotina. Se irritar pelo despertador que vai tocar em algumas horas, pelo transporte público que teremos que pegar cedo, pelo dinheiro que precisamos ter e fazer. Claro, o dinheiro.
Percebi que a vida adulta me tirou não só a infância, mas também as coisas que eu amava. Coisas que eu achava que fazia bem. Coisas que me faziam brilhar.
Sei que algum dia esperam que eu escreva algo mais otimista e feliz. Mas os sentimentos tristes são os que me inspiram. Sou movida pela dor. Eu acho que sou. Não importa que eu soe meio emo agora. É a realidade.
Depois de confessar, em tom alto, para a minha prima esse sentimento — sobre não ser mais eu, sobre desejar voltar a ser — entendi que o que sou agora também pode ser bom. Posso aprender de novo. Aprender melhor. Posso lutar contra o sistema (não gosto de usar essa palavra assim; me lembra uma certa religião que não mencionarei) e, tentando ser otimista, talvez eu não falhe. Talvez eu consiga atingir a minha própria satisfação — só um pouquinho — e curar um pedaço do meu coração que se quebrou quando me olhei no espelho, aquela vez.
Eu não serei uma criança criativa nunca mais. Mas posso ser uma adulta criativa.
Tenho fadas na pele. Elas estão gravadas eternamente em tinta preta e traços finos. Elas significam muito. Tatuei para lembrar a mim mesma que aquele mundo é todo meu. Eu criei ele. Só eu posso dar vida novamente a ele.
Quando eu quiser, ele estará lá por mim.
A escrita nunca vai me abandonar — se eu não a abandonar também.
Daremos as mãos.
Iremos continuar.
Não iremos parar.
Nunca mais.
Não mais.
que escrita linda. que texto lindo.
acho que todos nós temos mundos secretos dentro de nós, só q as vezes eles ficam escondidos sob camadas de responsabilidades e preocupações adultas, mas eles nunca desaparecem completamente.
adorei sua reflexão sobre ser uma "adulta criativa", talvez a imaginação tenha apenas ganhado novas formas, novas cores, sombras e nuances. e sim, suas fadas na pele são um lembrete perfeito de que aquele mundo mágico ainda está ali, so esperando pra ser redescoberto. ainda não cheguei lá, mas o seu texto me trouxe um pouco mais de clareza. já são pequenos passos importantes 🤍